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Foto do escritorPriscila Pedrosa Prisco

O Fim da Hegemonia Cultural da Esquerda



O cacoete do materialismo histórico não permite à esquerda perceber ou admitir, mas a verdade é que nos últimos 30 anos, no Ocidente, desde as últimas ondas democratizantes, a hegemonia cultural lhe pertenceu. Se não, vejamos:

Quantas pessoas hoje em dia aceitam a desigualdade social como algo natural ou desejável? Quantas defendem o modelo de ensino tradicional, centrado no professor, na disciplina e na transmissão de conhecimento? Quantas ousam manifestar publicamente preconceito de cunho racial? E quantas outras formas de preconceito foram, pouco a pouco, igualmente estigmatizadas?

Essa hegemonia trouxe progresso efetivo: fome, pobreza, educação autoritária, discriminação foram atacadas, combatidas e, se não sucumbiram, retraíram-se consideravelmente onde quer que essa hegemonia se impôs.

Mas, por mais difícil que seja admitir, não se pode estar certo 100% do tempo. E houve também alguns impasses e retrocessos. Destaco alguns: é palpável que a educação dita progressista não foi acompanhada por melhoria nos indicadores educacionais - antes o contrário; no próprio ambiente acadêmico, onde essa hegemonia se gestou e exerceu, o conhecimento científico foi minado e, com ele, as bases para uma compreensão efetiva da realidade e o desenho de políticas públicas eficazes; sem desafiantes à altura, esta hegemonia se deixou seduzir pelas tentações da censura e do autoritarismo. Acompanhado, como foi, de um retrocesso no campo epistemológico, esse ímpeto suprem

acista resultou num descolamento não só da realidade, mas das próprias massas. Daí resultou a narrativa que hoje dá sucessivas vitórias à direita conservadora (e, por vezes, reacionária): a de uma elite progressista que não entende e não liga para os problemas do povo, discute questões de gênero enquanto as pessoas estão preocupadas com violência urbana e desemprego, e não respeita os valores tradicionais da sociedade - família, religião, etc.

É importante deixar claro que constatar essa soberba e pendor autoritário não implica (como querem fazer crer os conservadores) uma condenação permanente e exclusiva da esquerda. Toda hegemonia busca impor-se como ortodoxia e, como tal, tende ao autoritarismo e ao rebaixamento intelectual, na medida em que tenta sufocar o debate e reduzi-lo a monólogos cada vez mais medíocres. É uma tendência inerente ao exercício de poder, venha este de onde vier. E é uma disputa eterna e perene, para a qual não existe solução mágica: apenas a busca do equilíbrio numa sociedade democrática permite que as hegemonias sejam contestadas e, assim, não degenerem em ortodoxia estéril e/ou autoritarismo.

O que temos visto de 2016 para cá é a quebra desta hegemonia. Os triunfos eleitorais de forças conservadoras vieram na sua forma mais incivilizada, antidemocrática, anti-intelectual. É preciso tentar entender porque isso assim se deu. E qualquer tentativa de entender o fenômeno sem apontar também as responsabilidades da esquerda estará fadada ao fracasso. Eis alguns últimos pontos que gostaria de destacar:

Enquanto tomou conta do meio intelectual, a esquerda simultaneamente solapou as bases do conhecimento, ou pelo menos do consenso sobre ele, difundindo o relativismo, o voluntarismo, a visão crua do mundo como disputa de poder. Seria ingenuidade supor que essas ideias, uma hora, não se voltariam contra os seus proponentes.

O cacoete materialista que eu mencionei no primeiro parágrafo fez com que, em todo esse tempo, a esquerda jamais saísse da ofensiva, jamais tenha abandonado o discurso de "oposição", como se tivesse sido sempre a direita no poder. Depois de tantas concessões no campo cultural para preservar algum poder na esfera econômica, a direita continuou sendo fustigada. Era de se esperar que a reação, quando viesse, seria violenta - como é típico de qualquer animal quando se sente acuado.

Antonio Gramsci - eleito pela nova direita como o mentor da nova esquerda e o marxista mais perverso desde o próprio Marx - dizia que a hegemonia se exerce pela construção do consenso, não do uso da força. Se essa nova esquerda fosse de fato gramsciana, teria sido menos estúpida e arrogante, resistido às tentações autoritárias de impor uma ortodoxia e censurar o divergente. A reação viria, de qualquer forma, mas talvez numa forma mais civilizada, que não pusesse em risco as realizações desses últimos 30 anos, em matéria de consagração de um certo ideal de igualdade e direitos humanos.

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